terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Fim e Começo

Inicio meu contato com o mundo e com a sociedade brasileira no final de mais um ano. As luzes da Natal já iluminam as casas lá fora e a reflexão é constante. Uma das coisas mais maravilhosas da vida, por suscitar contradições, alegrias e ódios, é o trabalho, a profissão escolhida. No meu caso, ser professor foi uma escolha muito interessante. É uma profissão que me permite estar o tempo todo pensando em novas possibilidades. Nada de pieguice de vocação. A palavra de ordem é ação e crítica. Na última semana de aula, falanando em ação, fiz um trabalho muito interessante em sala de aula com meus alunos de primeiro ano. O jogo de dados, onde, através deste, procurei desconstruir o sistema de notas brasileiro, mesmo que por algumas horas. Eis o texto que escrevi quase que "psicografando" em uma madrugada e que norteou esta atividade. Quem sabe ano que vem redescubro uma nova forma de avaliação. Já há coisas refogando em minha mente. O importante é trocar experiências com educadores em todo Brasil.

Começo parafraseando Nitzsche, que fazia filosofia a golpes de martelo...A Educação no Brasil deve ser sacudida com golpes de britadeira, antes que o caos completo se faça na sociedade tupi.

Baseado na proposta pedagógica da liberdade informal de avaliação não-sistêmica, onde considera-se o aluno não um depósito de informações a serem vomitadas em testes e provas mas levando em voga a plenitude da construção do ser humano em si mesmo, toca-se na última jogada do ano letivo, um verdadeiro campo de lutas solitárias e coletivas na visão do aluno, real preparação para o jogo da vida. Rolam-se os dados e se inicia a vida escolar, cachoeira de novas descobertas e imprecisões onde não se sabe qual número cairá para você em determinado dia. Quem nunca sentiu um misto de expectativa e esperança ao rolar um dado ? Expectativa e esperança é o que tem no coração das novas gerações, assoladas por uma fragmentação cultural batida no liquidificador do cotidiano preenchido por novas máquinas, sons, imagens e cores, onde o lúdico se faz suporte do vindouro. Partindo deste ponto e desta situação, os dados também são rolados em sala de aula. Começa o jogo da vida para eles, ou seja, o momento em que terão que decidir seus destinos e fazerem suas escolhas. Quer jogar ? A escolha é sua.
Sala de aula, espaço tão metricamente resolvido em um hermetismo bucólico aprisionando mentes e limitando criatividades. Chegou a hora de dar uma sacudidela nos resquícios do nosso local de trabalho que em uma sociedade pós-industrial baseada na informação ainda se mantém presa a uma estrutura criada para fabricar homens que batem martelo em linhas de montagem. Os dados da incompatibilidade já começaram a rodar a partir daí. O aluno não é um prego passando por um esteira na frente do professor onde este irá marretá-lo com informações distantes do seu mundo vivido. O jogo se inicia e a alternativa em participar é de cada um. O aluno, ao lançar o dado pedagógico, promove naquele ato a esperança de seu futuro em uma sociedade que pouco lhe oferece.Um misto de expectativa, “non sense”, euforia, desejo de vida, claro pairam no ar. São os segundos da contra-avaliação tradicional na qual os números tornam-se meros instrumentos de manipulação nas mãos deles. É isso aí, a virada do jogo acontece e quando o aluno pega o dados nas mãos passa a ter o poder jogar longe a hipocrisia do sistema de notas baseado em um numeração fria. Vamos reverter o jogo e agora são os alunos que jogam os dados, ou melhor, no caso da escola, os pontos. A nota do teste está em aberta e cada ponto tirado no dado será somado a ela. Você tem a escolha de não jogar ou então arriscar. É a hora. A vida e toda sua fúria que os espera além dos muros chega para se confrontar. O momento da verdade. Quebramos o sistema imposto, não somos depositários de informação, somos seres humanos e a educação se faz na relação professor-aluno ao longo do cotidiano, do ano escolar, das vivências, conversas, da troca, principalmente da troca como dizia Paulo Freire (quem aprende ensina e que ensina aprende). Após o rolar dos dados da vida agrega-se à nota do teste seu somatório. O aluno sabe, no ato de jogar os dados, que a vida o exigirá mais, sem dados nas mãos, e esta energia de lançamento deverá ser revertida em esforço e perseverança para vencer desafios. É justamente ao saber que à nota do teste foi agregado um valor qualquer de um a seis que faz com que ele – aluno – perceba que naquele momento ele está apenas dentro dos muros, mas que se for tentar rolar para sempre os dados pelo mundo no jogo da vida, nem sempre obterá seis, muitas vezes um. De qualquer forma, teve o prazer de contestar o sistema opressor de avaliação que incide sobre ele, mesmo que não tenha tido consciência disso.
O segundo momento do jogo é o câmbio, símbolo máximo da globalização excludente que habita o imaginário dos alunos de hoje ( que mundo é esse que me espera ? ). Tão rico e tão pobre, tão tecnológico e tão rudimentar. Chegou a hora de cambiarem-se as notas somadas do teste. Chegou a hora de verificar se cada um terá sentido de solidariedade ou se fechará na individualidade de guardar somente para si seus pontos, metáfora do individualismo exacerbado dos dias consumistas atuais. É hora de cada um voltar-se para dentro de si e refletir. O câmbio de pontos se faz e um aluno pode passar seus pontos obtidos no dado ou uma parte para outro. Quem é amigo de quem agora ? Seria agora a hora de se deparar com as divergências ? Não seria, neste caso, o momento de avaliar melhor seus atos antes de agir? São pensamentos que estão fluindo pela atmosfera da sala de aula em um misto de expectativa, contato com a realidade e pulsão de vida. Pede-se, conversa-se, trocam-se os pontos. Abraços são dados, eles percebem que não estão sozinhos no mundo vil da rua e que na escola, na sala de aula, encontram sim pessoas as quais tem grande significado e que quando estas se afastarem pelas intempéries da vida, poderão viver sempre nas lembranças ums do outros. E vivem, podem ter certeza diso.
Os dados foram jogados, a vida começou, cara !!! Acorda !!! Em um dia você tira seis e no outro um mas a gente levanta e quer se fazer entender na subida dessa longa escada. A escola é isso. É emoção, sentimento e o desenvolvimento do ser humano não pode ser pautado por um número frio. A emoção de ter em mãos o poder de decidir através dos dados eles não mais esquecerão, sabendo que o rolar dos cubos numéricos representa o que o espera lá fora, mas que eles podem fazer mais do que isso, transpassar o símples rolar dos dados e tomarem atitudes que não sejam decididas no jogo, mas a partir de suas próprias ações, da lógica, da razão e da sensibilidade. Solidariedade, expectativa, metafísica de carteira, psicologia de quadro-negro, pulsão de vida, carteiras emaranhadas sem a ordem estabelecida pela educação industrial. É daí, do desconstruir que iremos construi uma sociedade mais atenta. Como dizia Chico Science, é “desorganizando que eu vou me organizar e é me organizando que eu vou desorganizar”. Desorganize a sua vida e depois reorganíze-a. Faça constantemente isso. Depois do jogar os dados não tem mais como voltar atrás. Tudo será lembrança. Chico, dessa vez o Buarque, dizia em uma letra, a vida se abrirá para você como um feroz furacão. Enfrente os fatos de frente.

Bom final de ano para todos e ótimas viradas na vida.

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