sexta-feira, 24 de julho de 2009

Excessos

A tecnologia, apesar de necessária, muitas vezes cansa.
Meus olhos saturam com tantas imagens, sons e cores ao mesmo tempo.
Mesmo que tentemos dar uma pausa esse mundo multimídia, ele acaba entrando pelas brechas perfuradas por out-doors nas ruas, carros de som na porta de casa, monitores vomitando informação em tempo real nos elevadores.

Excesso, excesso, excesso...

O mundo das ambigüidades no qual vivemos nunca foi tão propício aos efeitos benéficos e malévolos do excesso de tecnologia e mídia.Num tempo frio e chuvoso fico dentro de casa suscetível a um mar de imagens e sons. Se saísse, para onde iria ? Me enfurnaria em um carro e rumaria ao shopping mais perto para dentro de uma sala de praça de alimentação ?

Comer, comer, comer...

Prefiro os dias de sol. Eles me dão mais oportunidades de estar com a natureza. Confesso que a artificialidade da luz associada a aceleração da mídia atordoa meu cérebro. Como dizem alguns : “é muita informação”. E a vida cansa rápido. As energias se esvaem como o descarregar de uma pilha. Olha para frente e penso : "Ainda terei que viver isso tudo ?". A questão não é ter que viver, mas a forma metropolitana de vida. A cidade e suas imposições e tentações ao mesmo tempo que atrai, desgasta. A vida nas grandes cidades é um aspirador de vida. Suga tudo num tempo relativamente rápido e quando a gente vê, se não se cuidar, você estará calvo, sedentário, barrigudo e cardíaco. Isto se não desenvolver as múltiplas formas de câncer, quando o corpo se destrói de dentro para fora com uma ajudazinha externa, claro.

Por outro lado, não desgosto totalmente dessa tecnocultura, pelo contrário, como é impossível não esbarrar com ela fica até difícil não assimilá-la. A minha maior questão são as conseqüências disso tudo pois no território da liberdade consumista não sei até que ponto o atordoamento provocado por todo esse acúmulo de informação influencia na atitude de ir para o shopping...

comprar, comprar e comprar...

...sem falar no medo desenfreado dos espaços públicos onde a violência pode nos acometer. O shopping seria o ponto de convergência mais propício a uma sobrevivência segura, reproduzindo no ambiente o que a mídia mass produz na nossa cabeça. Digo nossa porque me considero também dentro deste furacão neurótico e veloz que é o mundo e a vida metropolitana.

Outra grande questão é que isso tudo cansa mas olho para as outras pessoas nas ruas e não identifico qualquer tipo de fadiga. Me parece que estão todos alterados quimicamente por algum tipo de alucinógeno. Isto me espanta. Até que ponto estou dentro ou fora dessa totalidade ?

Li no jornal que as pessoas buscam cada vez mais ansiolíticos, as salas dos psiquiatras e psicólogos estão lotadas e clínicos gerais nunca emitiram tanto aquelas receitinhas azuis controladas. Já há até mercado negro de rivotril. Mas é claro, evidente, com tanta aceleração algo deveria ser feito para o mundo desacelerar. Creio que o cérebro humano não é capaz de suportar tanta informação fora os afazeres e obrigações cotidianas. A questão para mim se dá da seguinte forma: há seres humanos que suportam e jogam grande parte das suas ansiedades para o consumo e, ao mesmo tempo, há pessoas que precisam dos "tarjas pretas" para diminuir o ritmo ou, melhor dizendo, modular a atividade cerebral na medida certa para poder existir e fazer suas rotinas diárias, o que incluiria também e até na mesma forma que o grupo anterior, o consumo.

Não sei, quanto mais observo o mundo mais acredito que as coisas estão muito mais interligadas que na última vez que parei pra pensar e esta rede cada vez mais emaranhada atordoa a minha cabeça. Isto me assusta pois não sei até que ponto controlo ou sou controlado, vivo por mim ou teleguiado por uma engrenagem ou talvez um pouco de cada. Qual delas predominaria ? Disso nasceria mais um conflito interno, o que estaria em perfeita sintonia com este mundo de contradições. Não que elas sejam aberrações. Contradições são fundamentais para que possamos nos compreender melhor e aceitá-las é um belo exercício de auto-entendimento porém o excesso é o que me preocupa. De toda forma, caio naquela velha máxima de que tudo em excesso faz mal. Abriram-se os portões da liberdade de consumo após a queda do Muro de Berlim, o mercado impera e para onde estamos indo é que realmente não sei. Queria ao menos ter um farol, seria menos angustiante mas só me vem a palavra...

caos, caos e mais caos...

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Comida de vermes

Meu pai levou flores pra minha mãe quando eu nascí
E escreveu pra mim na capa do meu álbum de retratos
algumas palavras de encanto e amor pelo meu nascimento
Eu tenho um amigo que mora aqui perto e ele não faz nada, não trabalha
Mas qual é a diferença entre ele e eu ?
Só porque eu trabalho e tenho mestrado? Grandes merdas...
Esse meu amigo e eu seremos devorados pelos bichos
quando descermos cada um às nossas sepulturas

Meu pai escreveu aquelas palavras pra mim
mas eu só as lí depois de anos
Claro, ele já não estava mais lá...
Dele ficaram apenas aquelas palavras
e uma antiga fita-cassete onde cantava suas canções
Pobre papai, virou comida de vermes
Assim como todos nós, eu, meu amigo que não faz nada e papai virou
Todos viraremos comida de vermes

Garrafa-corpo-oceano-mundo-eu

Garrafa, corpo
Pergaminho, eu
Oceano, mundo

Sou um pergaminho enclausurado
dentro de uma garrafa no meio do oceano
Vagando, vagando, preso e vagando
Mesmo se me libertasse da garrafa
ainda teria de enfrentar o oceano
Todavia é essa garrafa que me livra da morte
Pois através dela, eu bóio
Esse enclausuramento, na verdade, é a minha salvação
O problema é a garrafa rachar

Garrafa, corpo
Pergaminho, mundo
Oceano, eu

O mundo é um pergaminho
Oprimido dentro de uma garrafa no meio do oceano
É, o mundo está dentro de mim porque meu corpo é essa garrafa
Lá vai o mundo
vagando, vagando, preso e vagando
Caso se liberte da garrafa
Ainda terá de enfrentar o oceano-eu
Meu corpo aprisiona o mundo mas meu eu está além
Porém, se o mundo realmente se libertar dessa garrafa
Não tem jeito, o mundo se afundará em mim
Será que conseguirei suportar esse mundo ?

Primeira lição de existência

Acordei hoje com consciência de finitude
Acho que é a primeira lição de existência
Assim é mais verdadeiro ser
essacoisapsicobiofísica chamada homem
Além da morte não há nada
deixarei de existir, pronto
Não terei mais ar, visão, audição, sabor
tampouco o toque de minhas mãos em meu rosto
se quiserem poderão até pintar minhas unhas de cinza
Serei apenas aquilo que fui
retornando à natureza
pela terra pelo fogo
Não escolhí nascer
fui condenado à liberdade
Posto isto o que me resta ?
Agir e escolher
Escolher e agir
Não necessariamente nessa ordem
Ah, mas isso o que importa ?

domingo, 5 de julho de 2009

O sininho do Caju

Do alto da escada
Observo os cortejos fúnebres

Tlim tlim tlim
Bate o sino pequenino do adeus
Eis a última caminhada
Raios de sol atravessam as árvores
iluminando a tristeza das pessoas
séquitos partem sem cessar em vagarosos passos
Rumo às profundezas do Caju
sobre eles paira a finitude do mundo
Aos poucos vão se perdendo ao longe
entre o silêncio das sepulturas

A tristeza se revela pela ausência
quem teria sido ?
Andou, sorriu, brincou carnaval
Foi pai, mãe, teve filhos, trabalhou
Amou, desamou
Sorriu, chorou
Teve história
e no fim de tudo, o cortejo
término do tempo de cada um

Ricos, pobres, loucos, sãos
Oh, vulneráveis
A morte é a (des)graça do inevitável
O fim de suportar a maravilha de existir