domingo, 22 de junho de 2008

Um domingo com Pessoa

Eu hoje devorei um livro. É, um livro do Fernando Pessoa. Que livro. Tão pequeno, de bolso, por fora, mas tão forte e pulsante e gigante por dentro. Daqueles em que a a alma vai ao delírio. Parece que você entra em um transe. As palavras, a força do significado, o poder que a poesia tem de te levar pra longe de tudo que é podre, mesmo que esteja falando da podridão do mundo.

Li em duas partes. Na primeira deitado no sofá, desliguei tudo. Nem a tv resistiu. Na segunda abri um belo vinho e as palavras parecem que saíam das páginas e começavam a vagar pela sala, em suspensão. Não apenas as palavras, mas eu e a sala e o cachorro e os móveis.

Deslocado para outro mundo, arrebatado para o não sei onde eu fui. Que poderio tem essas palavras, que força tem a poesia deste português. Tiveram uns poemas que eu li duas, três vezes e quando me dei conta o livro estava lido, acabado.

A sensação foi de um banquete, com Baco, com o cachorro e a sala em suspensão ouvindo a voz de Pessoa. Pra tudo começar a girar era um pulo. Não sei como não rodou.

Eis a pomba-gira da literatura. Aqueles poemas que te arrebanham para outra dimensão.

No final ficou lá o livro, jogado sobre o braço do sofá, como uma mulher que acabara de ser possuída se deleitando dos prazeres prolongados do corpo e da alma. Estava lido e completamente exaurido por mim. Uma experiência transcendental. Sufoco, sufoco, sufoco que não quer mais sair. Vá até a poesia. Areja a alma.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

O Tempo Dali

Dali, ontem foi meu aniversário. É, mais um. Tá passando. O que está passando ? A vida. Mas o que é isso ? Não sei, estou vivendo e ainda não parei pra pensar. Caramba, tu tá maluco, cara ? A vida é isso aí, oras...é a vida. Ah, para com isso. A vida é algo que é. Como assim algo que é ? Não entendi. Algo que é, algo que é, cara. Peraí, mas algo que é como, me explica. Não sei, apenas é. Mas espera aí, e o presente, o passado e o futuro, não contam ? Contam, sim, mas sei lá. Sei lá o que, cara ? Ah, sei lá, é difícil. Poxa, mas o que é difícil ? Difícil pensar nisso. Poxa, tô vendo que tu tá estranho. Como assim estranho ? Estranho, poxa, estranho. Não vejo você dar a sua opinião. Mas porque eu tenho que ter uma opinião ? Não sei, foi você quem começou a falar de aniversário e vida. Ah, é, comecei e aí ? Tô só pensando. Pensando no que ? Não sei, só estou pensando. Hum, acho que esse papo não vai chegar a lugar algum. É, eu também acho. Assim a gente vai ficar aqui horas, o tempo todo falando do que queria falar sem conseguir ou não falando na verdade de nada. Bem, vamos tomar mais uma ? Vamos. Juntos : Garçom !!!

segunda-feira, 9 de junho de 2008

O sangue que pinga da tela cai na nossa incapacidade de agir





Acabei de assistir um filme...no Canal Brasil. Um filme que estava afim de ver há muito tempo. Já tinha começado a assistir uma vez, já tinha lido sobre ele mas nunca tinha tido a oportunidade de parar com calma pra ver.

O Bandido da Luz Vermelha. Esse filme me vez lembrar automaticamente de várias coisas. Olha, ele é de 1968. Putz, caramba !!! Como é que um filme do final dos anos 60 pode ser tão atual ? Ou será que é o tempo que não caminhou ?

Me lembrei das várias ditaduras vividas hoje em dia, principalmente a do “politicamente correto”, que detesto. O filme é o inverso disso. Ele agride, ele transgride na imagem, nos recortes, no ritmo, nos diálogos. Ele é sarcástico, questionador...

Quando eu vejo algo assim, imerso em que estou nessa pasmaceira da velocidade, do colorido e das imagens bonitinhas, principalmente na TV, fico estarrecido de euforia, de encanto. Poxa, é o inverso quase que todo o inverso do que a gente vê por aí. A televisão e as propagandas que transformam o sanduíche pequeno em comida colorida, vistosa e suculenta.

Mas o politicamente correto...caramba, como é bom ver algo politicamente incorreto na TV. É uma aberração tão grande que até ouvi o barulho de uma onda vindo em direção a minha casa. Parecia que o mar da Praia do Chiclete tinha se transformado em tsunami.

Vivemos um ditadura hoje, assim como no período em que se passa o filme, só que hoje é a ditadura do faça tudo bonitinho, certinho, ande arrumadinho, com o cabelo limpinho e seja bonzinho. Até o bossal dos mais bossais percebe que se propaga uma imagem, um modelo de comportamento mas na verdade o que acontece nos círculos do poder, no submundo da hipocrisia, é justamente o contrário. É sujo, é tosco, é podre. E assim é o Bandido da Luz Vermelha. O herói de uma sociedade sem cura, sem destino, onde o sangue que jorra das suas vítimas soa como um clamor de misericórdia. Hei, alguém !!! Olhai por nós !!! A gota do sangue de suas vítimas cai em cima da nossa incapacidade de agir, atônitos, neuróticos e paralisados pelas luzes que estamos.

Esse filme deveria passar em cada praça, cada esquina, cada rua do Brasil. Esse filme é pra gente se ver. Somos carne e sangue. Somos produto de uma neurose metropolitana pós-alguma coisa recortada e desprovida de profundidade e amor. O mundo está assim e já estava assim há 30 anos atrás. Então, quando eu nasci já havia tudo isso e o que a gente tem hoje é aquele tudo isso com revestimento de tecnologia, informação e sofisticação.

É isso, o amor. Encontramos no não-amor desse filme a esperança da redenção dos nossos pecados.

Saravá.